Domingos de manhã passeados com vagar, fotografias, impressões e confidências feitas à cidade de Coimbra, suas casas e seus casos, seu rosto vivo, suas lágrimas e sorrisos.

Acerca de mim

17 junho 2007

Passeio na Serra da Lousã, almoço no Talasnal

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Fomos hoje passear à Serra, andámos por estradas incríveis e o que nos valeu foi a maravilhosa chuva que criou aquelas cortinas imensas que nos permitem deixar de ver os pequenos e vulgares acidentes da paisagem, e passam a deixar-nos entender toda a incomensurável natureza das coisas.

falta foto, desculpas
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As serras, as verdadeiras serras, são todas da minha infância.
Saturadas de aromas e de mistérios não cabiam nos mapas, não tinham fim nem princípio.
A minha terra estava cercada de serras por todos os lados, por imensos vales ao fundo dos quais havia sempre um rio fresquíssimo que corria ali ao sabor da eternidade.
Uma ponte era como um grande brinquedo medonho, uma caixa construída por grandes vigas de ferro de várias espessuras, com enormes cavilhas arredondadas e pavimentada com alcatrão todo esburacado.
Apoiava-se em enormíssimos pilares de pedra ovalados e quando as barragens foram construídas toda aquela imensidade de ferro pintado de tinta toda velha e encarquilhada começou a ser engolida metro a metro, centímetro por centímetro, pela água que subia implacavelmente.

Havia uma pequena localidade que ia ser engolida, e no mercado, na loja dos Senhor José Matias e à saída da Igreja toda a gente falava no enchimento da barragem como se fosse a mais extraordinária tragédia de todos os tempos.
Lembro-me de ver, um Domingo de manhã, um homem que estava deitado na cama, numa certa casa à beira da estrada, que estava a ser engolida pela água.
Fui lá com o meu avô, que foi levar algum alento e coragem àquele homem velho e desesperado que não queria abandonar a sua antiga e modestíssima casa.
As pernas da cama já estavam bem metidas dentro de água, e todos nós sabíamos que ela não ia parar de subir, porque tínhamos feito um risco no alcatrão e passado uns minutos o próprio risco já tinha sido coberto.

Quem jamais poderia esquecer-se de acontecimentos tão espantosos como estes, de lágrimas tão incómodas e de palavras tão desesperadas como as daquele homem vendo o seu mundo sumir-se debaixo de um rio que crescia impiedosamente numa plácida e soalheira manhã de Domingo?
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A Serra da Lousã é assim, entre moinhos que não são de Cervantes nem servem o combate de delirantes Dom Quixotes. Há pequenas aldeias onde vivem estrangeiros, retirantes da Europa central que rejeitaram sua glória e seu método. Fazem-me pena as suas crianças, portugueses de futuro incerto pelo isolamento e pela estreiteza de horizontes. Contradições nada condizentes com a altitude e a paisagem....A Serra da Lousã, como todas as outras, tem imensas histórias contáveis dentro da desmedida do seu dorso castanho carregado de mil e muitos verdes, todos diferentes.
Parece-me muito, mas muito mais pequena que as serras da minha infância.
O seu multifacetado carácter de serra de muitos episódios e acontecimentos, é reforçado pela variedade da sua flora, pela variedade de paisagens que dentro dela se desdobram em cenários tão diferenciados.
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Para mim é, por assim dizer, uma serra feminina.
As serras da minha meninice eram imensas e viris, cobertas de verde escuro, cheiravam imenso a resina e a flores silvestres.
A única coisa que lá havia, além do Rio Zêzere e da Serra da Santa onde o povo fazia promessas, era a imensidade de vales profundos, a modéstia inquietante de casas escondidas por vales soturnos, homens de mãos grossas e mulheres baças de olhar triste à espera do vapor que os levasse para além do mar, para as terras da promissão.
E calor ofegante no verão e nuvens cinzentas muito escuras carregadas de chuva, no Inverno.

De ralis, moinhos de fazer electricidade, antenas disto e daquilo, parapentes, rapazes desvairados cavalgando motas, nada de nada!...
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A torrente de águas cantantes, os fetos, as flores, a variedade amável dos verdes aqui estão que não me deixam mentir...
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Havia uns amigos meus que tinham casas no Talasnal.
Eu sempre gostei duma pequena brincadeira ingénua dizendo que são autênticas privilegiadas as pessoas que habitam no “telejornal”…
Quando faço esse simples jogo de sonoridades a solicitude das pessoas é enorme:
− Olhe que não é telejornal, é TALASNAL!...
Viver no telejornal, aliás, é mal que não se deseja nem ao vivo inimigo!...

A chuva, a minha sempre desejada amiga, afasta muitos visitantes, deixa as coisas mais iguais a si próprias, mais lavado o ar, mais apetecível o respirar fundo, sem pólenes nem poeiras que no ar seco abundam.

No telejornal, perdão, no Talasnal, espera-nos um conhecido restaurante impensável nas serranias do Zêzere de antanho. Come-se bem e pode-se conversar. Como estamos sozinhos fazem o favor de desligar a música.

 

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Restaurante Ti Lena, no Talasnal; de Lisete e Amélia Dias; Tel.: 93 383 26 24; 91 704 56 08
(anúncio completamente grátis, em prol da interioridade da Serra/Mãe, posto aqui por nos ter sabido bem o almoço)

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A cultura do barulho

A música, o barulho, uma coisa que se insinua por tudo o que é buraco em todo este país, num pavoroso ódio ao maravilhoso silêncio.
Prospectos de luxo anunciando qualidade de vida, natureza e belas paisagens.
E por aqui e por acolá, motas rugindo, jipões roncando, alto-falandes produzindo “música”, ou pseudo-música, em ritmos frenéticos sem cor nem gosto;
Barulho, é o que é.
Onde menos se espera…

Abaixo a cultura do barulho, viva a boa música ou − na melhor das hipóteses − a subtil respiração da floresta, irmã do silêncio − que é de oiro!...


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Ora aqui temos uma aldeia de xisto completamente diferente de uma imensa quantidade delas que pelo interior serrano nos mostram a angústia dos seus telhados afundados, as janelas e portas escaqueiradas pela ventania da desertificação. Um luxo onde vivem senhores doutores de Coimbra que compraram no bom tempo e que restauraram amorosamente o seu refúgio - cofre de silêncio metafísico...
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O Candal, regalo e paragem de retratistas. Por debaixo da ponte corre outra torrente de água fresca. Bendito Junho!...
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12 junho 2007

Algures, para os lados do Calhabé

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Coimbra também tem os seus Jacarandás

(vai com letra maiúscula porque me parecem merecer as árvores nome de gente: substantivo próprio!...)


.falta foto, desculpas

.O estádio de Coimbra começou por ser simpático a algumas pessoas que por ali passavam de autocarro. Como o viam de relance, em passagens breves, chamavam-lhe até “o disco voador”. As suas formas ovaladas, de cinzento alumínico, sugeriam esse mito cinematográfico de contornos evanescentes.
Hoje tornou-se naquilo em que se tornam todas as outras coisas: suporte publicitário, escaparate de anúncios, plataforma para os infatigáveis esforços do marketing!...
Os monumentos do passado oferecem-nos as suas pedras impregnadas pela usura do tempo. A esse metal nobre chamam os versados em arte histórica: a “patine”.
Enobrece mais que o cabelo branco e que o oiro reluzente.
Alguns falsários especializam-se em fabricá-la.
Mas só o tempo, “esse grande escultor”, pode genuinamente acrescentá-la aos objectos que resistem ao passar dos séculos.
E o “disco voador”? Que será feito do “disco voador” daqui a um solitário século; daqui a um insignificante centenar de anos?...
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Uma estátua levanta-se diante de mim.
Como sempre a vi mais ou menos de longe, sempre me pareceu figurante de um romance alheio, personagem ensimesmada simulando a marcha para o destino incerto.
Visto assim de perto, o bronze de que é feito adquire um peso, uma soturna gravidade que me mete medo.
O pretinho que vai lá em cima, às cavalitas do soldado, fica quase invisível por efeito do maciço soco de pedra. A espingarda, não!...
A espingarda, vista por quem passa no chão é a verdadeira e principal protagonista da escultura. Não está apontada para nós, mas sentimos que pode disparar a qualquer instante, produzindo um estampido medonho.

Não é por isso, contudo, que aqui está a foto. É a inscrição (apaixonada…) que me inspira.
No soco de pedra uma frase:
ADORO-TE MITÉ
(assim de chofre, sem ponto de exclamação nem reticências).

A minha categoria de cidadão completamente desprovido de defesas perante a irredutibilidade dos afectos, cai de joelhos perante a evidência universal dos impulsos românticos.
Ignoro por inteiro que género de intenção possa ter estado na origem de tão enorme grito de alma.
Conspurcar um monumento é um crime punido pelo artigo xis do Decreto Lei ypsilon do ano tantos do tal, dirão alguns. Cem por cento de acordo, tudo bem!...
Mas a vontade, a irreprimível vontade de exprimir um desejo assim, tão rente às águas como um grito desesperado do homem que se afoga, tão desesperado como o pedido de socorro de alguém envolvido pelas chamas de um incêndio: um grito de desejo assim
ESTAVA LÁ ANTES, há milhares de anos, IMPRESSO NA ALMA DE QUEM GRITA!...

ADORO-TE MITÉ!...

Não sei se me envergonhe de dizê-lo, se me empolgue ao confessar-vos:
De cada vez que ali passo e leio a frase, aperta-me a garganta um indizível sentimento de comoção.

Esse desejo originário, sei lá, de que irrisório impulso de transgressão, arrasta consigo – não obstante – a representação simbólica dum possível drama de contornos indefiníveis.
Pode ser um grito de violência atávica. Mas pode ser da mesma forma um apelo da mais pura e cristalina afeição; lágrima solitária e diamantina dum arrebatado coração trespassado.
Vá lá saber-se como e quando?!...
Vá lá saber-se porquê?!...

Ao singelo autor da inscrição dedico, em lágrimas comovidas, “o soneto da fidelidade” de Vinicius de Morais:


De tudo, meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive) :
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.


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11 junho 2007

As fotografias que não tirei ficam como lamento de mim próprio, cidadão incauto de um mundo aflito

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Passo pelas grades de um jardim de infância.
Sou atraído pelo galrear alegre das crianças, pelo irresistível apelo da sua pureza de alegria e juventude.
Puxo da minha máquina/bloco de apontamento e tiro duas fotos.
Ai de mim!.... Oh infeliz, oh réprobo, oh mal aventurado!...
Sou rodeado instantaneamente por um grupo de vigilantas, cheias de zelo proibitivo e de argumentos esmagadores.
- Está bem, desculpem, está bem, eu prometo que não torno!...
Apaguei as fotos (duas fotos!...) ali logo na presença enérgica da única vigilanta que sobrou para dialogar (desconfiada e azedamente) comigo.

Se eu fosse criminoso preparando um roubo de crianças, teria fotografado de longe, à socapa, com uma lente de longo alcance. E se quisesse mesmo roubar, para que diabo ia fotografar antes???...
Se eu fosse fotógrafo profissional namorado da prima do vizinho de não sei quem, ia lá dentro e podia fotografar os meninos todos, com nome e morada, e os papás até me pagavam.
Não sei se isso me daria direito a aprisionar o corpo (ou a alma..) deste ou daquele menino.
Entre fotografar um bando de crianças vestidas todas de igual, anónimas no vozear cristalino da sua alegria colectiva, e roubar uma delas, levá-la para longe de avião, sumi-la do doce afago de seus amorosos pais… vai uma certa distância!...
O que ressalta de tudo isto não é o zelo de quatro ou cinco vigilantas, nem o perigo real que a situação envolve.
O que ressalta é a desconfiança radical, a vulnerabilidade das pessoas isoladamente, os estereótipos duma coisa que se não sabe, mas se pressente e é esmagadora.
A raiz do medo em suma, a planta funesta que seria desejável extirpar do coração do mundo, a golpes de ternura e de justiça; a golpes de paz e de amor pelo próximo.

Devoradores de telejornais, aceitamos placidamente todas as reportagens indiscretas (frequentemente obscenas e até imorais) da televisão.
A televisão é o poder.
Está acima de todos os outros “observadores” da realidade.
Pode entrar sem bater à porta, surpreender os pobres na sua vergonha de modéstia, os doentes no seu desconforto doloroso, aqueles que choram os seus mortos para exibir indecorosamente a sua dor e o seu irreparável desgosto.

Um rapaz como eu não pode assomar-se a um jardim infantil, comovidamente escondendo a lágrima saudosa de seus netos, sem que as eficazes vigilantas vejam em mim o pedófilo ameaçador, o raptor iníquo, o infamante violador.

Oh pobres almas, Oh triste mundo!...

04 junho 2007

Passear Coimbra foi passar um fim-de-semana a Lisboa

Passear Coimbra foi passar um fim-de-semana a Lisboa.
Significa isto que “a cidade” é, mais do que um conjunto de lugares, um encadeado de vivências e percepções.
Esta e as outras Coimbras (porque há muitas: todas iguais, todas diferentes, como as pessoas que nelas habitam) encontramo-las onde soubermos e onde nos seja possível estar e aprender convivendo.
As cidades são amores difíceis.
Impõem-nos uma disciplina de dedicações múltiplas: um querer sabê-las, um querer vivê-las à medida dos meios de que dispomos.
E tempo que permita construir a memória.
E vozes que se cruzem com a nossa.
Mais do que morarmos nelas é necessário que morem elas em nós e tenhamos o privilégio de conhecer a suas múltiplas faces, as mais hospitaleiras e felizes, ou as mais contraditórias e dramáticas.

Na Cervejaria Trindade pode fotografar-se à vontade. Eles lá sabem porquê! (ver adiante, texto sobre os burocratas anti-imagéticos do Metropolitano de Lisboa)

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Os grandes hipermercados da arte e da cultura, parece estarem cansados.
As políticas orçamentais (Oh, Deus meu, que de fortunas se poupam neste país em cultura e artes − até me espanta que haja deficits!...) fazem com que certas casas outrora repletas de acontecimentos estejam frequentemente inertes ou a meio-gás. Outros locais, por seu turno, prometem bem mais do que aquilo que deveras dão. (Isto é, não quer dizer que se gaste menos; gasta-se é doutra maneira, com outras coisas e com outros "protagonistas", como sabemos, não raro, até muito mais...)

É tempo, portanto, para revisitarmos aquelas coisas que são sempre novas, ou seja: as que fazem parte da cultura perene; lá, onde mergulham as raízes da memória colectiva.

Do terraço do zimbório da Igreja de Santa Engrácia, também oficialmente Panteão Nacional, olhando muito para lá de Santa Apolónia, da Madre de Deus e de Xabregas, descortina-se aquela ponte compridíssima que tem o mesmo nome dum dos homens que mereceu cenotáfio (ou memória de corpo ausente) no mesmo Panteão: Vasco da Gama!...

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Por este tempo, em Lisboa, é quando florescem as coleantes árvores da flor azul.

São mais que bonitas: enfeitiçam a paisagem com o sua cor exótica atrevidamente tropical, que não é tão serena nem tão profunda como o azul do céu; o que não é para admirar porque nada há que possa comparar-se à gloriosa profundidade do céu.

A árvore das flores azuis, que em Lisboa aparece ao mesmo tempo que a Feira do Livro, sabe surpreender como poucas; até o seu nome, inventado pelos Índios da Amazónia, é colorido e apetece dizer: Ja-ca-ran-dá!...
Para dar um aspecto de cultura a isto se dirá que o Jacarandá mimoso, ou Jacaranda mimosaefolia, é da família das Bignoniaceas. Mas mais não digo que me posso enganar.


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Sob a cúpula de Santa Engrácia repousam os restos mortais de figuras mitológicas, ressoando pelo majestoso espaço acordes sempre impressionantes de Mozart e de Beethoven, intervalados aqui e ali pelo timbre sumptuoso do canto de Amália.

Humberto Delgado, Marechal, repousa solitáriamente numa sala, austera como todas.

Amália é a única figura acarinhada com mimos permanentes: flores, mármores passados a pano e orações de íntima veneração.
A grande, a solene Amália, que bem me lembro do seu vulto negro sereníssimo, antes de entrar em palco, repousa na sala dos escritores, onde, nas horas secretas, sempre pode conversar com Garret, Junqueiro e João de Deus.

Na área mais nobre do templo, nos seus braços de cruz grega, ali estão os cenotáfios de Camões, de Nuno Álvares, do fero Albuquerque, do universal Gama e do misterioso Infante patrono das navegações.


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Olhando para poente é o poderoso edifício do Mosteiro de São Vicente de Fora que pode ver-se, e que vamos visitar de seguida.

À direita, o Campo de Santa Clara (vulgo Feira da Ladra), que outrora era espaçoso quando por lá passava e que agora parece que encolheu, como as larguíssimas e acolhedoras ruas onde brincávam os miúdos, feitas agora exclusivamente pistas de aceleração e estacionamento.



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Nos largos corredores de São Vicente de Fora está, desde Junho de 1999, uma surpreendente e magnânima exposição de painéis de azulejos!...

O edifício, já de si, é riquíssimo nessa modalidade de expressão artística, com escadas, corredores, claustros e muitos outros espaços ricamente cobertos por milhares e milhares de quadriláteros vidrados de cerâmica, pintados a azul e branco.

Agora está lá uma espantosa mostra de azulejos recuperados ilustrando as célebres fábulas de La Fontaine.

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Uma ávida curiosidade torna curto todo o tempo que lá possa passar-se de visita.

Algum desânimo ressalta da pouca divulgação e duma certa, digamos, modéstia da realização.
Catálogo, não há. Ou está esgotado, o que dá no mesmo.
Informou-nos um vigilante que “foram os Franceses”!...
Levaram tudo, porque La Fontaine lhes diz muito.

Mas os azulejos são “nossos” e a exposição está para ali, em todo o seu esplendor, faltando-lhe a orgânica e a divulgação de um enorme e, repito, surpreendente acontecimento artístico.

- Para quando a reedição do catálogo?...
- Ah, isso não sabemos!... A culpa é dos franceses: levaram tudo!...


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Este é um de trinta e sete painéis que documentam de forma opulenta as fábulas de La Fontaine. Neste caso: "A águia e a pêga".

Uma frustrante e desmoralizadora visita aos azulejos do Metropolitano

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Domingo de manhã aponto para um objectivo muito apetitoso: uma visita com vagares e olhos bem abertos à estação do Jardim Zoológico, decorada com temática a propósito em azulejos da autoria de Júlio Resende.

É um encantamento.
Todo o espaço, paredes e até o próprio chão, estão recobertos com mil e uma sugestões que nos levam de visita ao esplendor da selva. A calçadinha à portuguesa vem fazer companhia aos azulejos, acrescentando sugestões de passear no verde selvagem, em veredas e figuras que se colam aos nossos passos, convidando-nos a reviver uma desejada infância contornando por aqui, correndo por acolá.

Uma selva perigosa, cheia de susto e de animais ferozes? Não!...

Esta selva tem tudo na cor, no espanto, no canto musical das aves e no seu esvoaçar aberto de penas macias e grandes esperas ao poente.
Uma arca de Noé com flores e todo o género de adereços naturais ali, onde é fácil esquecer que estamos debaixo da terra, passando os comboios de tantos em tantos minutos.

Uma certa distracção provinciana, ou o entusiasmo de pensar que o mundo − nem que seja por instantes − pode deixar de ser aquele sítio chato em que o cidadão se não é tramado assim, é tramado assado, impele-me a olhar livremente, puxando da tal maquineta fotográfica com que faço este “passear Coimbra” e vai disto:
fotografia para aqui, fotografia para acolá, flash quando é preciso, com toda a alegria e sem temor!...

O pior, é o mais mau!
Há dezenas de anos que ando de Metro em Lisboa, nunca vi um daqueles Senhores fardados chamar a atenção de quem passa para os azulejos:
- Meus Senhores, reparem só um instantinho, temos aqui uma obra de arte para mostrar a toda a gente: Vejam só estes azulejos, uma maravilha!...
Nunca, jamais, em tempo algum.

Mas naquele Domingo de manhã lá veio não um, mas dois fulanos (um à paisana, primeiro, outro fardado, depois) dizer-me que não podia tirar fotografias (“…por causa dos direitos de autor!…”)

Direitos de autor? Umas tanas!...
Pelo que lutam estes extremosos “defensores de direitos” é por uma noção redutora e burocrática da cultura. Uma cultura com açaimo, onde os direitos são os de não olhar para as coisas, afirmando uma posse sem horizontes de objectos que se não estimam, nem divulgam, nem amam.

Bem como toda a obra do Metro (que a princípio toda a gente chamava “o centímetro”, porque era pequenino) também ajudei a pagar os painéis. Para não falar nos bilhetes e passes, que já paguei muitos, para poder viajar de Metro, um sítio tão público que é como se estivesse ao ar livre, como nas praças e ruas do meu país!...

Havia, apesar de tudo, uma tonalidade hesitante no recado repressivo dos fulanos que mandaram parar com as fotografias. Estariam com pena das minhas ingénuas fotografias, ou estariam com vergonha de importunar um cidadão em pleno exercicio dum legítimo encantamento?!...

Vá lá saber-se...

Alguém os deve ter mandado.
Alguém que nunca deve ter olhado para os azulejos rachados, manchados, sujos, partidos e descolados que já por ali abundam!...

Defesa dos direitos de autor? De que autor?

Eu sou autor do meu olhar e sou cidadão deste país e não devo nada ao Metro, nem aos Administradores que ganham tanto que nem devem precisar de andar de Metro, mas mandam dar ordens sem pés nem cabeça que estragam uma manhã a quem tenha um minuto de alegria dourada tirando recordações de uma parede em Lisboa, para poder mostrá-la aos amigos em Coimbra.

Direitos de Júlio Resende? Hum, duvido muito!...
O artista, se soubesse o amor com que olhei a obra de sua autoria, ia regalar-se, tenho a certeza.
E as fotos de recordação, ia vendê-las, não querem lá ver?!...

Oh Senhores Administradores, se aqui estivesse a grande poetisa Natália Correia dir-vos-ia:
“…Oh esfomeados do sonho
A Poesia é para comer…”

E eu acrescentaria:
“…Oh burocratas néscios
O que é belo é para toda a gente ver!...”

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